Apresento aqui um dado que, embora reconhecido pelo mercado, não deixa de me surpreender: de acordo com o IBGE, mais de 90% das empresas do Brasil têm perfil familiar, e estas respondem por mais da metade do nosso PIB. Mais da metade!
Ao longo dos anos, tivemos o privilégio de trabalhar com várias empresas deste tipo, que nos inspiraram e ensinaram bastante sobre gestão e desenvolvimento de negócios. Nesse nosso mundo onde tudo parece se movimentar mais rapidamente, as empresas familiares nos oferecem a certeza e a segurança da consistência como um antídoto contra toda essa liquidez. Salve o filósofo Sygmunt Bauman, que nos alertava sobre esse espírito dos nossos tempos:
“Os tempos são líquidos porque, assim como a água, tudo muda muito rapidamente. Na sociedade contemporânea, nada é feito para durar.”
Estudando casos de empresas brasileiras familiares durante esses 30 anos da TroianoBranding, percebemos que existem, ao menos, 4 pontos principais que essas organizações têm como guias norteadores para seu sucesso contínuo:
1. O cuidado com a marca é um compromisso quase religioso.
Empresas familiares têm um papel muito importante na nossa sociedade, e o que temos aprendido com essas empresas de segunda, terceira e quarta gerações é o zelo que elas têm com sua razão para existir, que é representada pela sua marca. Por uma feliz coincidência, nós dois fomos operados recentemente na Clínica de Olhos Moacir Cunha, que inclui em sua direção, atualmente, a quarta geração, representada pela Dra. Laura Cunha.
Mais do que em outras organizações, o patriarca, o avô, bisavô e seus descendentes valorizam a marca quase como um brasão, um símbolo heráldico com o apego histórico que ela representa.
Mais um feliz encontro foi conhecer o Atelier Santtêra em São Paulo. Um atelier de costura fina, vestidos de festa e vestido para noivas. Algo eminentemente artesanal, atualmente conduzido pela terceira geração da família, pela Tatá - a Tainá Bernardes.
É este mesmo cuidado que é responsável por menor incidência de má gestão em Branding nas empresas familiares, já que a liderança de família raramente faz decisões de olhos vendados quando a marca significa tanto para elas. Em empresas onde CEOs têm um ciclo de reposição de alguns anos, a história é diferente.
2. Os vínculos familiares: integração de dois “vetores”.
Empresas familiares são movidas por algo maior do que os drivers habituais das empresas de capital aberto ou das sociedades onde as famílias não têm mais interferência na sua condução.
Lembrando de nossas aulas de Física, creio que nestas organizações com gestão familiar completam-se muito mais naturalmente duas forças complementares. A primeira é uma força centrífuga, aquela que empurra a empresa para fora, em direção à conquista do mercado e dos resultados essenciais de seu desenvolvimento. A segunda, no entanto, é muito mais intensa nestas organizações familiares: a força centrípeta. É aquela de caráter nuclear que zela pela integração dos “vetores” familiares. Nestas organizações, os churrascos, as comemorações, os encontros periódicos fora do ambiente corporativo envolvendo pais, mães, filhos, tios etc, têm um papel que as clássicas reuniões de conselho nunca serão capazes de exercer. Quantas vezes nós já não ouvimos frases como esta, na segunda-feira: nós refletimos neste fim de semana, durante o almoço, e estamos decididos a …
O êxito do negócio e a integração familiar fazem parte do mesmo destino.
3. Passagem de gerações, muita calma nessa hora!
Todos nós já sabemos, embora nem sempre pratiquemos, que Propósito é a energia que movimenta pessoas, marcas e as organizações.
Empresas autenticamente familiares, onde a propriedade não se pulverizou, são conduzidas por um Propósito de forma muito mais disciplinada e natural. E esta costuma ser a chave para sua permanência e evolução no mercado, geração após geração. A fidelidade ao Propósito da organização é integrador, por natureza.
Ao longo dos 30 anos da TroianoBranding, temos tido o privilégio de conviver com várias empresas familiares que se pautam por essa preocupação. Mesmo correndo o risco de ser injusto com muitas outras, sempre vem à nossa cabeça a jornada do Grupo Algar, onde várias gerações têm se sucedido, desde seu fundador, o Comendador Alexandrino Garcia. Também nos lembramos da Aço Cearense, criada pelo inspirador Vilmar Ferreira, e que agora tem o suporte de suas duas filhas, Aline e Marie, que entendem muito do negócio e que honram a trajetória que o pai imprime à organização. Outra empresa com a qual convivemos e acompanhamos há 35 anos, num mercado complexo como o de comunicação de marketing, é o Grupo M&M. Mais um belo exemplo de uma suave, harmoniosa e gradual transição da primeira para a segunda geração.
4. Amor e dedicação ao negócio como algo inquestionável
Amor e dedicação é algo realmente inquestionável, sine qua non para qualquer empresa que quer ser levada a sério. Na hora de dar a mão para o cliente, qual a mensagem que queremos passar para ele? Essas duas qualidades fazem com que empresas familiares possam estabelecer conexões de uma forma muito mais longeva, e à medida que o tempo vai passando, vamos percebendo e nos encantando pelo brilho nos olhos dos fundadores e sucessores. O fruto disso é uma empresa que valoriza seus produtos de uma forma única, como se fosse sua própria cria.
Gostamos muito de vinhos, seja de qual país for, mas percebemos uma tendência muito interessante que nos remete à essa mesma ideia da paixão pelo negócio. Geralmente, as empresas e marcas de vinho são geridas por pessoas que fazem parte de uma grande linha familiar que, desde cedo, teve a responsabilidade de administrar um vinhedo ou produção da bebida. Portanto, essas pessoas, além de virarem protetores deste produto, tem que ter em seu DNA um amor pela área. Não existe produtor ou dono de uma marca de vinhos que, pelo próprio respeito à cultura do negócio, não é totalmente apaixonado pelo o que faz.
Antinori é um grande exemplo de uma família produtora de vinhos muito conhecida na Europa, uma das grandes da Itália, e que carrega essa extrema dedicação aos seus produtos. Um de seus vinhos, o Tignanello, resume isso perfeitamente. É um filho que nasceu da paixão de Piero Antinori, em 1970. Mas a Antinori está em sua 26ª geração. Diz-se que a família Antinori conviveu com a família Medici, e passou por muitas mudanças e eventos históricos. Isso só solidificou a presença da marca, e agora a geração mais nova se apoia em toda essa estrada para continuar fabricando vinhos com muito carinho e verdadeira paixão.
Em um mundo com tanta incerteza e liquidez (Bauman), tantos bits, as empresas familiares carregam um legado que desafia a passagem do tempo e que cuidam de sua marca religiosamente. Elas sabem inocular um pensamento mais longevo, diante de tantas distrações das inúmeras empresas e produtos que se precipitam e aceleram um crescimento que pede calma e cuidado. Os laços que integram as empresas familiares são fortes, sabemos disso de primeira mão, e esperamos ser obedientes a esse mandato na TroianoBranding.
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