INTRODUÇÃO
Quando consumidores pensam em comprar um novo produto, a falta de experiência e intimidade com a nova mercadoria os coloca de frente com um considerável nível de incerteza e riscos. O momento de escolha do novo produto é caracterizado por decisões e julgamentos. Em quase todos os casos, cada consumidor utiliza o conhecimento que já possui de marcas quando, no local de compra, opta por algo novo. Marcas conhecidas, portanto, tendem a ser mais respeitadas e consumidas nesses momentos, uma vez que o que está em jogo para o consumidor é a “garantia” de adquirir um produto de boa qualidade. No caso das extensões de marca, na escolha de cada novo produto, os consumidores são levados a invocar conhecimentos e crenças formados através de experiências passadas com uma determinada marca, para, dessa forma, fazer inferências sobre a qualidade da extensão (Devon DelVecchio, 2000, pg. 3).
Conforme o número de produtos (“filhotes”) associados a uma marca-mãe aumenta, os consumidores são forçados a alterar, gradativamente, a imagem que têm da marca em questão, no sentido de incorporar o que de novo está sendo apresentado por ela no mercado. É exatamente por essa razão que o processo de extensão de uma marca deve ser analisado e feito com cuidado. Extensões, quando feitas corretamente, tendem a fortalecer a marca-mãe. É como se a extensão se transformasse em um filhote forte e saudável, que, por conseqüência, deixasse a mãe também mais robusta e capaz de enfrentar as exigências do mercado. Estender uma marca no sentido errado ou para produtos inadequados, por outro lado, pode ser problemático e danoso: a extensão pode naufragar ou, o que é pior, pode haver prejuízo para a marca-mãe, a qual, sem o advento da extensão mal-sucedida, poderia ainda ter vida longa e próspera no mercado.
De acordo com Keller e Aaker (1992), um ponto chave para a extensão de marca é o “fit” entre a extensão (“filhote”) e a marca-mãe. “Fit”, aqui, seria a compatibilidade de uma extensão com o significado da marca. Como resultado disso, esforços para estender uma marca deveriam começar pela medição do significado da marca, na mente dos potenciais consumidores. Sem o estabelecimento do significado de uma marca, a probabilidade do surgimento de extensões mal-sucedidas aumenta consideravelmente. No momento em que uma empresa adquire conhecimento do significado/personalidade de sua marca perante os consumidores, é muito mais fácil promover boas extensões. Elas aparecem até naturalmente, sem que haja atropelamentos e sem que a marca-mãe sofra prejuízos.
O processo de extensão de marca, desse modo, requer uma empresa para estudar a elasticidade e as fronteiras de uma marca (Edward M. Tauber, 1988, pg. 28).
Ainda que a história de extensões de marcas tenha tido início na década de 1960, foi apenas em meados dos anos 80, que as extensões ganharam força (principalmente no mercado norte-americano) e levantaram vôo. De lá para cá, o que se viu foi um aumento significativo de extensões nos mercados de todo o mundo. Nunca deixando de lado as tendências mundiais, nosso trabalho buscou entender a realidade das extensões de marcas aqui, em território brasileiro. Para isso, fizemos uma ampla análise de como o processo de extensões de marcas vem se dando no Brasil nos últimos anos. O trabalho completo, com dados e as conclusões a que chegamos, segue abaixo.
A GRANDE FAMÍLIA
Marcas têm família? Têm grandes famílias? Têm sim.
Por exemplo, a família Melitta. Partindo do produto original - a mãe -, que foi o filtro, e ampliando seu portfólio de produtos, gradativamente, com filhotes: o café, a cafeteira, a chaleira, a jarra etc.
Ou a família Tilibra. Uma mãe bem fértil que já gerou mais de 20 filhotes. E também as famílias como a Johnson’s Baby, toda uma família de produtos dedicados a crianças.
Este foi, portanto, o ponto-de-partida de nosso trabalho, cujo objetivo era mapear e entender a dimensão, códigos genéticos e o comportamento dessas famílias de produtos, num raio-X das marcas. Enfim, trata-se de um verdadeiro censo das marcas. Algo que nunca foi produzido no Brasil, pelo menos nesta escala.
Nosso trabalho partiu do conceito de extensão de marcas e não do conceito de extensão de linha. Vamos pensar em Maguary como um bom case de extensão de linha. Trata-se, como nós sabemos, de uma marca de sucos concentrados, que possui uma variedade de sabores. Cada um desses sabores é uma extensão de linha da marca Maguary. São filhotes que permaneceram no território original da marca mãe.
Extensão de marca é um outro conceito. A família Faber Castell é um bom exemplo de extensão de marca. Os produtos desta família foram nascendo e ocupando novas categorias de negócios. Canetinhas e borrachas são artigos de papelaria, mas pertencem a categorias distintas. Borracha compete com outras borrachas e canetinhas com outras canetinhas. Isto é extensão de marca. Quando os filhotes gerados pela marca mãe atuam em categorias distintas da original. Em nosso trabalho, este foi o conceito que adotamos para a construção de nosso universo de marcas e produtos.
MUDANÇA DE PARADIGMA
Em nosso cotidiano, respiramos marcas quase 24 horas por dia. O que vemos acontecer é uma total mudança de paradigma. O século XXI não tem sido o século de criação de novas marcas; é o século da ampliação ou maximização do uso das marcas já estabelecidas. Esta é a grande mudança de paradigma. E de onde vem esta mudança? O que aconteceu do final do século passado para hoje?
Há pelo menos três grupos de fatores que nos ajudam a pensar nesta mudança de paradigma, da criação à maximização do uso das marcas, que nos levaram a compreender por que extensão de marca é algo tão presente hoje em dia:
fortalecer as marcas mães,
incrementar os negócios e
gerar novos negócios.
Quando falamos em fortalecimento da marca mãe é fácil imaginar que, se a extensão de marca for bem feita (e esta é uma ressalva importante), os novos produtos da família se transformam em escudos de proteção para ela. Pense em toda a família de produtos Nike. Sem dúvida, cada novo produto da família ajuda, e muito, a fortalecer a marca como um todo.
Outra forma de fortalecimento é a contribuição que cada filhote dá para reforçar os core values da marca mãe. A cada novo produto da família Brastemp que surge no mercado, mais a idéia de superioridade da marca fica registrada na cabeça dos consumidores.
As extensões também podem incrementar o negócio atual das marcas. O novo filhote pode ser uma oportunidade, por exemplo, de aumentar o customer equity. O que é isso? Fazer mais negócios com os consumidores que já são leais à sua marca. Ou ainda acompanhar seu consumidor em comportamentos que ele já possui. Se uma empresa sabe que seu consumidor, toda vez que toma sol, usa um filtro solar e em seguida passa um gel hidratante no corpo, por que uma marca, como Sundown, precisa ficar limitada a oferecer a ele o filtro solar e deixar que ele compre o gel hidratante pós-sol de outra marca?
E o terceiro grupo de fatores tem a ver com a possibilidade que as extensões abrem para geração de novos negócios.
É uma boa ferramenta, por exemplo, para sair de mercados saturados. Já ouvimos de vários clientes o seguinte: “Não tenho mais como crescer nesta categoria, já bati no teto, preciso buscar novas frentes de negócios...”.
Ou ainda: extensões servem para entrar em categorias de maior valor agregado. Se eu vendo farinha de trigo com uma margem mínima, por que não vender mistura para bolo pronto, onde a margem é bem mais atraente?
Extensões também têm a capacidade de trazer mais consumidores para uma marca. Consumidores que podem não gostar da Aveia Quaker, podem se apaixonar pela Quaker Mais Sabor, com chocolate, coco, apresentada em saquinhos individuais.
Fica claro que razões não faltam para as empresas pensarem em extensões de marca. Sem esquecer, é claro, de que construir uma marca hoje em dia, segundo dados dos EUA, custa algo em torno de US$ 250 milhões.
A LEI DE MURPHY, PARA O BEM
Mas vamos à nossa grande família. A grande família que levou nossa empresa a elaborar este trabalho. A origem de nosso trabalho pode ser expressa, além de todos os fatores apresentados até agora, em algo que definimos como a genealogia da grande família. Vamos começar por um dado bem concreto, que é a profusão de iniciativas.
Basta uma olhada mais atenta às marcas e produtos que estão à nossa volta, para vermos quão freqüente é este fenômeno das extensões de marca.
Essas iniciativas são vistas tanto no plano dos journals, especialmente no mercado norte-americano, como também no mercado do qual fazemos parte.
Do lado do cenário dos journals, cabe aqui um dado que foi a nossa inspiração básica. Segundo Murphy, 95% dos novos produtos lançados nos EUA na área de groceries, são extensões de marcas já existentes. Este é um dos casos de uma Lei de Murphy que veio para o bem. Esse número nos intrigou muito. E no Brasil? Quanto este número representaria?
O próprio mercado também faz parte da genealogia do trabalho. Em nosso escritório, vários de nossos clientes nos procuram com a mesma questão: para onde amplio negócios com a minha marca? Até onde posso ir? Ou como ampliar negócios e não diluir minha força?
A metodologia usada por nós na TroianoBranding, a ENTROPIA DE MARCA, foi uma ferramenta desenvolvida para esta necessidade, e não deixa também de ser uma fonte que nos inspirou para a elaboração deste projeto.
2228 PRODUTOS, 456 MARCAS, 64 CATEGORIAS
Nossa estratégia para mapear as famílias das marcas foi a de reconstituir as famílias, partindo da marca mãe, e identificando todos os seus descendentes. Trabalhamos com as dez marcas mais importantes de 64 categorias de negócios business to consumer. Isto nos levou a analisar um total de 456 marcas e, finalmente, a identificar um total de 2228 produtos.
Por estarmos concentrados nas marcas mais fortes de cada categoria, o trabalho reflete as marcas que movimentam pelo menos 90% do volume de negócios de cada uma delas. Ou seja, podemos dizer que mapeamos a “big league”.
Para cada uma das marcas, relacionamos uma série de informações ligadas a ela: tipo de indústria, setor, nome do fabricante, categoria, produto-mãe, filhotes, além de outras coisas. Fizemos esse rastreamento para todas as marcas estudadas.
Usamos, na ocasião, três fontes de informações: o valioso banco de dados do Consumer Check da Editora Super Giro, cujo universo refletia o mercado brasileiro, e agregamos outro levantamento, realizado por uma equipe de profissionais que rastreou 400 pontos-de-venda em São Paulo. Visitas exaustivas a todos os websites das marcas complementaram nossas informações.
A ORGANIZAÇÃO DAS FAMÍLIAS DE MARCAS NO BRASIL
Podemos identificar, de imediato, quatro grandes indicadores, os quais são características que definem a dinâmica destas famílias de marcas.
1) Ainda não chegamos aos 95% dos norte-americanos, entretanto podemos afirmar que 77% dos produtos encontrados no Brasil, em business to consumer, são extensões de marcas já existentes. Este percentual é diferente entre as diversas categorias de produtos. Eletrodomésticos, por exemplo, é onde temos menos mães e mais filhotes. 93% dos eletrodomésticos são extensões de marcas. Hoje, é difícil pensar numa marca de eletrodomésticos que faça apenas um produto. Todas são marcas que trabalham múltiplos produtos; fogões, lavadoras de roupa, geladeiras e por aí vai. Já a categoria com menos extensões é a de higiene pessoal.
2) Nosso segundo indicador nos mostra que, das marcas do mercado, 64% promovem extensões. Ou seja, quase 2/3 das marcas de business to consumer adotaram essa estratégia de maximização de seu uso, seja porque querem ampliar negócios, reduzir o custo de entrada ou reforçar os core values da marca mãe. Estamos falando, portanto, de uma prática recorrente em nosso mercado.
3) A taxa de natalidade das famílias nos mostra o terceiro indicador. O tamanho médio das famílias é de 6,1 produtos, incluindo a mãe. É claro que no mercado há famílias de todos os tamanhos. Temos, por exemplo, 28% das famílias que possuem apenas dois produtos - a mãe e um filhote. No outro extremo, temos uma minoria, 2%, que possuem mais de 30 produtos na mesma família. Sonho de Valsa é um bom exemplo de uma família pequena. Scotch Brite é um bom exemplo de família média, com dez produtos. E Sadia e Nestlé são bons exemplo de grandes famílias, nos dois sentidos do termo; e não por acaso, são famílias rivais.
4) Mas mais importante do que o tamanho, é a constatação de que o tamanho das famílias não é documento! Olhando para todo nosso banco de dados, vemos que há famílias pequenas que são monstruosamente fortes; o oposto também é verdadeiro. Há casos de famílias grandes que não têm uma marca à altura. São os casos das marcas que inflaram antes do tempo, ou que deram à luz antes da mãe estar suficientemente amadurecida. Nívea é um bom exemplo de uma família numerosa e extremamente forte. Toddy, por fim, é um bom representante das famílias pequenas e, indiscutivelmente, sua história e prestígio comprovam sua força.
DNA DAS MARCAS
Nós já ficaríamos felizes se o estudo tivesse ido até aqui. Porém nossa curiosidade pelas marcas nos fez ir mais longe.
Fomos vasculhar também a forma pela qual as famílias são constituídas. Fomos entender como cada um dos filhotes traz ou não consigo os códigos genéticos da família que lhe deu origem.
Estávamos em busca de entender como era o processo de transmissão do DNA das famílias. E isso nós chamamos de princípios de extensão de marca. O que fizemos foi analisar os 2228 produtos e identificar qual a conexão que existia entre o filhote e a marca mãe.
Esta é uma peça-chave de nosso trabalho. De alguma forma, conseguimos mapear como os processos de extensão de marca estão sendo elaborados; e, certamente, esse repertório poderá ser muito útil para as marcas que estão planejando promover extensões.
O que descobrimos?
Descobrimos que são 8 princípios possíveis, que explicam o tipo de conexão existente entre os filhotes e as marcas mãe.
1) Princípio da mudança de apresentação. Neste caso, o filhote é uma reapresentação do produto-mãe, em um novo conceito de embalagem ou forma. Ele migra para outra categoria a partir desta mudança. O caso do adoçante em pó Doce Menor é um dos exemplos. Originalmente líquido, ele cria uma nova versão, em pó, migrando para uma nova categoria.
2) Princípio da preservação do ingrediente. Aqui, o filhote carrega consigo o ingrediente principal do produto-mãe. Que tal o Moça Fiesta, como exemplo? Um filhote do leite condensado Moça, que carrega em sua formulação o leite condensado, mas que atua em uma nova categoria – a das sobremesas lácteas.
3) A complementação de uso é um outro princípio. Ela ocorre quando as extensões trabalham em categorias de produtos complementares às da marca mãe. É o caso da Colgate, originalmente um creme dental que lançou vários produtos, como a escova e o fio dental, sempre relacionados ao mesmo momento de consumo. É a extensão por complementação de uso ou vizinhança.
4) Conservação da forma é um outro princípio de transmissão de código genético. Ela acontece quando o filhote preserva a forma física ou o tipo de embalagem do produto-mãe. São os casos das indústrias que têm uma gama de produtos, todos em lata, ou todos em pó, por exemplo. Aliás, muitas vezes esta proposta de extensão nasce na diretoria industrial, e não no departamento de marketing. São os casos em que, o diretor industrial identifica uma oportunidade de usar o maquinário existente e know-how da empresa, para entrar em novas frentes de negócio. Nasce aí toda uma família de produtos. Etti, com sua linha de enlatados, adota este princípio para promover a extensão de sua marca.
5) Marcas também podem estender negócios preservando a conexão com um target específico, psicográfico ou atitudinal. Assim, a família Molico fala com pessoas preocupadas com preservação do peso; a família Nescau fala com jovens radicais; e Chambinho preserva a ligação com o target infantil. É o código do target que move essas extensões de marca.
6) Gerar filhotes que demonstrem o expertise da marca mãe é outra possibilidade para transmissão do DNA da família. Este princípio é muito comum, por exemplo, em empresas que se especializam num determinado setor. É o caso, por exemplo, da marca Leco, percebida como tendo know-how em laticínios, ou mesmo da Brastemp. Na opinião dos consumidores, uma marca que tem expertise em geladeira, muito provavelmente fará um bom liquidificador.
7) Um dos princípios de transmissão mais nobres e que exigem um conhecimento profundo da marca mãe, é o que chamamos de transferência de personalidade. A conexão entre os filhotes da família se dá essencialmente pela preservação dos core values da marca mãe. São os casos mais sofisticados de extensão de marcas. Um bom exemplo é o da marca Nike. Usando um tênis, um boné ou até uma meia da marca, o consumidor se apropria de toda a atmosfera criada por ela, se sentindo um pouco como Michael Jordan, em seus tempos áureos. É a personalidade mágica da marca, que contamina todos os produtos da família.
8) E há aquelas marcas que criam famílias sem nenhuma conexão entre os produtos. É um tiro para cada lado, um filho não tem nada a ver com o outro, e mesmo que nos esforcemos, não conseguimos ver uma conexão sequer. É o que definimos como uso do poder. Por que este nome? Porque são as marcas que acreditam que apenas o seu nome irá garantir o sucesso dos herdeiros.
Olhando para esses oito princípios, podemos ver que cada um deles poderia ser entendido a partir de uma dessas três dimensões: target, marca ou produto.
Complementação de uso, mudança de apresentação, preservação de ingrediente e conservação da forma são princípios relacionados ao produto original da família. São princípios que partiram de ideias relacionadas ao produto da marca mãe. Concentração no target é o único princípio de transmissão que se baseia no público-alvo da marca mãe. Por fim, aplicação de expertise, transferência de personalidade e uso do poder são princípios que dependem essencialmente da existência da marca. É a marca que define a existência desses princípios, e não o produto ou o target.
Analisando cada uma das extensões de nosso banco de dados, vimos que o princípio mais usado é o da aplicação de expertise.
O segundo princípio mais presente, por incrível que pareça, é o uso do poder. Preservação de ingrediente, como no exemplo de Moça Fiesta, é o terceiro mais usado, com 20%. Transferência de personalidade vem a seguir, com 19% das extensões de marca. Notem que não são todas as marcas que podem usar este princípio. A marca mãe precisa, em primeiro lugar, ter desenvolvido esta personalidade, para transmitir a seus herdeiros. É o caso bem sucedido que comentamos da Nike, por exemplo.
Concentração no target é o quinto mais adotado pelas marcas. Exemplos como Chambinho atingem 15% dos casos de extensão, enquanto que extensões usando complementação de uso - como a marca Colgate, ou a marca Melitta, com todo o repertório de produtos para café - são 14%.
O princípio da conservação da forma foi adotado por 10% das extensões. Mudança de apresentação, por fim, é o princípio menos usado, e aparece em 4% dos produtos estendidos.
Como já comentamos, as extensões não necessariamente resultam apenas de um dos princípios de extensões. De forma planejada ou não, há vários casos em que mais de um princípio é adotado nos planos de extensão de marcas. Em média, observamos que 1,6 princípio é usado para promover uma extensão.
No caso da extensão da marca Bauducco, que iniciou todo seu processo de extensão a partir do panetone, pelo menos três princípios se combinaram: o expertise em produtos de forno, a personalidade da marca (fortemente associada a momentos de confraternização) e também o ingrediente farinha de trigo, que acompanha todas as extensões.
AS REGRAS QUE TODAS AS FAMÍLIAS TÊM
As regras das boas famílias podem não ser uma cartilha pronta e acabada. Para ser bem sucedido em extensões, é necessário que se siga muitas dessas regras, pois com certeza elas são ideias importantes. No entanto, nem sempre elas são consideradas pelas empresas; seja porque a pressão pelo resultado imediato, faz com que as decisões atropelem o processo, seja porque não há uma clareza da essência da marca mãe.
De qualquer forma, já que todas as boas famílias têm regras, as famílias de marcas também têm as suas.
A primeira delas, denominamos regra da afinidade e acontece quando uma consumidora chega ao supermercado, olha pela primeira vez uma extensão de marca e diz: “Ué! Mas já não tinha?”. Este é o primeiro passo para ser bem sucedido em extensões: quando a idéia da extensão já estava pronta na cabeça dos consumidores. Ou, como falamos, a gôndola mental do consumidor já estava organizada antes mesmo da gôndola do supermercado. A naturalidade diante da gôndola, e não o efeito de estranhamento, é fundamental para esta aproximação no ponto de venda.
O ritmo em que as extensões são apresentadas ao mercado é outra regra básica das boas famílias. Há marcas que atropelam o processo. Em um curto espaço de tempo, despejam uma série de produtos no mercado. Mal dá tempo para o consumidor digerir cada um deles e integrá-los mentalmente à família. O efeito desejado de sinergia entre os filhotes fica comprometido pela velocidade acelerada.
A Bauducco é um bom caso de ritmo bem pensado. Hoje, quando olhamos a marca, vemos um grande repertório de produtos. Mas não houve atropelos. Deram tempo para que os consumidores entendessem o caminho que estavam trilhando. Cada novo filhote da marca teve um tempo para amadurecer antes da chegada de um novo irmão.
A regra do intangível nos mostra que as fronteiras para a extensão das marcas não precisam, necessariamente, se esgotar no plano físico. A vizinhança não precisa estar atrelada a alguma característica física do produto. Para uma marca definir uma extensão que não seja física, é fundamental uma clareza muito grande da essência da marca. Sem ela, é impossível dar qualquer passo nessa direção.
Vejamos o caso da Bic. O princípio que está em jogo é o da transferência de personalidade. Bic, seja na caneta ou no isqueiro, é aquilo que é descartável e, ao mesmo tempo, algo que nunca falha. Os mais velhos irão se lembrar de uma propaganda do isqueiro Bic, com aquela pilha de fósforos e, em off, uma voz dizendo que o isqueiro acendia mais de mil vezes sem falhar. Descartabilidade e eficiência são os princípios que movem as extensões de Bic.
Marcas fracas e sem história não geram boas extensões. Baixo leverage, como dizem os autores norte-americanos, não cria boas famílias. Não dá para fazer mágica em pouco tempo.
A melhor demonstração disso: além do banco de dados com as dez marcas mais importantes de cada categoria de produtos, nós construímos um outro, onde incluímos todas as marcas dessas categorias, mesmo as muito pequenas e sem história.
Constatamos que, ao fazer isto, o total de extensões, que era de 77%, cai para 46%. Resumindo: o potencial de expansão se reduz muito pela presença destas marcas mais fracas. A idéia é: cresça e apareça. Não se meta a balão, enquanto sua marca não tiver força, leverage.
Uma regra elementar: extensões são uma ferramenta para desenvolver o poder das marcas. Quando mal feitas, o tiro sai pela culatra. O sobrenome da família sai prejudicado. Por isto, não pense precipitadamente em extensões. Reflita bastante. Você dificilmente terá uma segunda chance de causar uma boa impressão.
Para onde este processo está nos levando? Em primeiro lugar, este é um processo que não tem data para terminar. Até onde conseguimos enxergar, as extensões de marca continuarão a prosperar. Porque lançar novas marcas é muito caro e porque a pressão por resultados de curto prazo é grande. Em que momento ocorrerá uma nova mudança de paradigma, não temos a menor ideia.
E quem não quer proteger seus ativos? Só quem é aventureiro. Extensões de marca criam uma blindagem, uma muralha de proteção. E servem também para tornar a vida dos consumidores mais fácil. Diante de dezenas de opções, o consumidor se encontra frente-a-frente com alguém que já conhece e respeita. Tempo já é e será ainda mais uma moeda de troca fundamental em nossas vidas. Por isto, facilitar a escolha do consumidor, fazendo com que a marca esteja presente em várias categorias de negócio, e tornar a escolha mais rápida, será algo sempre muito bem vindo.
Extensões de marca são um dos grandes aliados do ROI (return on investment). Elas rentabilizam os recursos das empresas. Imaginem que a marca já tenha quatro produtos em seu portfólio: de P1 a P4. Imaginem também todos os investimentos já feitos para chegar até aí. Podemos garantir a vocês que, cada nova introdução sob a bandeira da mesma marca, exige recursos proporcionalmente menores. Quando a empresa sair com o produto P5, seus custos de introdução serão proporcionalmente ainda menores. É lógico que isto rateia e rentabiliza os investimentos, feitos antes, no momento de construção da marca.
E mais um ponto sobre o futuro. Todos nós sabemos, hoje, que marcas são um ativo intangível, cujo valor econômico pode ser medido. Quanto maior o volume de negócios que ela gera, quanto maior o seu fluxo de caixa, maior será seu valor econômico. Como extensões de marcas geram maior volume de negócios, isto acaba incrementando o seu valor econômico. Em muitos países, incluindo o Brasil, ainda não é possível incorporar o valor das marcas ao balanço de empresas abertas. Mas em algum momento do futuro, isso mudará. E então, saber quanto a marca vale, e quanto suas extensões contribuem para este valor, será ainda mais importante do que é hoje.
No negócio de extensão de marcas, nós não estamos no fim, nem no princípio do fim. Estamos apenas no fim do começo. As grandes oportunidades ainda estão por ser exploradas. A maior delas será quando as empresas deixarem de pensar de uma forma simplesmente industrial. Quem usa lata, tem de estender a marca com outros produtos em lata. Quem faz pó, com outros produtos em pó. Quem tem chocolate, outros produtos com chocolate. E assim por diante.
As grandes oportunidades virão quando as empresas perceberem que as extensões da marca podem abrir mercados muito diferentes e novos. Mesmo que elas, industrialmente, não possam fabricar os novos produtos. Há dezenas de fornecedores que podem fazer isso por elas.
Quem faz tratores como a Caterpillar, pode continuar fazendo tratores. Mas sua marca é mais do que símbolo de um trator. Ela simboliza robustez, força, coisa de macho. Por que não vender com esta marca botas fortes e robustas? Foi o que eles fizeram.
No Brasil, já temos também bons exemplos. Um deles é a marca Capricho. O ambiente editorial da marca transcendeu a revista, que hoje é só online. Ele simboliza, acima de tudo, a afirmação dos valores de uma fase na vida das meninas, teenagers, suas leitoras. E esses valores podem ser expressos em produtos tão diferentes como camisetas, agendas, calcinhas, chinelos, meias... Imagine até onde isto pode chegar.
E Sonho de Valsa, será que não significa mais do que chocolate, apenas? E Catupiry, não lembra mais do que um simples requeijão etc, etc, etc.
O que é muito curioso, é quando a consumidora olha para um desses potenciais novos produtos, que estão alinhados com a personalidade da marca, e diz: “Olha, agora tem mistura pra bolo da marca Dona Benta!”. A sua amiga, que está ao lado, pode perguntar: “Ué, mas já não tinha?”.
Quando um consumidor fizer esta pergunta, diante de uma nova extensão de sua marca, você pode comemorar os resultados por antecipação.
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