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Habitat das Marcas

Há poucos dias, vi um caminhão na Rodovia Castelo Branco, de uma conhecida e prestigiada empresa. Esse caminhão, como alguns outros que vivo observando, tinha algo que me incomodou bastante: sua pintura estava descascada, as cores já esmaecidas e lembrava muito mais uma empresa de fundo de quintal. Imagino que isso deva incomodar bastante também os gestores da empresa. Ou, pelo menos, deveria.


Por que coisas assim acontecem? Um caminhão mal pintado, uma fachada de loja mal

desenhada ou errada, um uniforme de atendente descosturado, um banheiro sujo (e os de homem, nem se fale!), a recepção (normalmente terceirizada) que nem de longe reflete a atmosfera da empresa, e aqui poderíamos citar vários exemplos.


É muito mais do que um descuido de designers, diretores de arte e gestores de comunicação. É uma responsabilidade transversal, não assumida por cada um dos setores envolvidos: o pessoal de logística, de manutenção, de RH, de serviços gerais. É uma limitada visão da expressão que a marca precisa ter. É quando arquitetura e branding decidem estabelecer entre si um “Tratado de Tordesilhas” e mais ninguém toma conta dessas dezenas, ou centenas de pontos de contato com o mercado de clientes, de consumidores e de observadores da marca, que acontecem no cotidiano. Como se cada um cuidasse apenas do seu território mais próximo. Já dizia Nelson

Rodrigues: “Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola”.


Cada um desses pontos de contato é maior do que uma simples interface da marca com o mercado, com o público interno ou com a sociedade. A melhor expressão que conheço para isso foi formulada pelo mestre David Aaker. Ao invés de ponto de contato (touch point) ele denomina essa interface de proof point. Por que proof point? Porque um ponto de contato tem um sentido apenas topográfico, digamos assim. É um local, um espaço, uma área onde há alguma manifestação da marca diante de seus stakeholders. Mas é algo que não chega a qualifica-la, mas apenas denomina esse ponto de encontro. O caminhão mal pintado e descascado é um ponto de contato, mas nunca um proof point. Ao contrário, é um anti-proof point, se posso dizer assim.


O proof point seria cada um dos contatos onde a proposta da marca e sua razão de ser, ficam reforçadas diante de seus potenciais clientes e consumidores. As bicicletas do Itaú são um proof point em que a promessa de Feito para Você se revela. Os serviços adicionais da Porto Seguro para consertos domésticos estendem o sentimento de segurança. Ou ainda o ambiente de conforto, de cândida aparência e impecável atendimento da rede Fleury de laboratórios.


A questão é: de quem deveria ser essa zona de responsabilidade, que equaciona de forma estrategicamente correta os múltiplos proof points? A resposta mais simples, mais democrática, porém mais ingênua é: de todos. Afinal, a marca tem uma penetração em todos os segmentos da organização e é o crachá no peito de cada um.


Contudo, embora a marca diga respeito a todos dentro da empresa, os operadores da rede de proof points deveriam ser os “sagrados” guardiões da marca e suas representações. Quase como “sacerdotes” dessa missão. Profissionais treinados de Branding com uma inspiração complementar de Arquitetura deveriam ser essas pessoas. Uma expertise que transcende em muito às formações parciais em design, comunicação e marketing, por mais respeito e admiração que temos por essas competências profissionais.


O universo arquitetônico é uma das moradas tangíveis que uma marca habita. Nele conseguimos, através da escolha do estilo, das cores, dos materiais, sons, cheiros, criar uma identidade que se perpetue e que possa transmitir diversas sensações, emoções, memórias, que precisam ser congruentes com os parâmetros estabelecidos para a criação do DNA da marca.


A meu ver uma marca atinge seu grau de maturidade quando é possível, através de alguns elementos de anteparo sensitivo e visual, perceber sua identidade.


Como não identificar a Lanchonete da Cidade quando avistamos os elementos vazados de cor amarela? Ou o Ritz com suas portas giratórias vermelhas.


As lojas da Farm com sua linguagem natural e seus tramados que remetem às rendas. E a memória olfativa que a Cantão proporciona com o cheiro das lojas.


A arquitetura despretensiosa e praiana das lojas conceito da Havaianas, onde não há um limite físico entre o dentro e o fora, como se tudo fosse um grande espaço público passando a mensagem: “aqui é para todos”.


O aroma de café fresco da Nespresso e a delicadeza que armazenam e demonstram os seus produtos.


O espaço lúdico da Livraria Cultura, que proporciona a integração completa entre o usuário e o espaço, com a intenção de que lá ele perca a noção do tempo. Ou ainda a Livraria da Vila com sua arquitetura precisa e arrojada.


O requinte impecável com que a Chocolat Du Jour expõe seus chocolates, como joias.

A sensação de aconchego e conforto dos espaços intimistas e o atendimento acolhedor do Santo Grão.


A Galeria Melissa que trouxe o passeio para dentro da loja proporcionando a integração com a cidade.


Quando a marca vira sinônimo de uma cor, a exemplo da Tyffany.


Ou ainda quando um edifício se transforma em marco urbano, caso do Instituto Tomie Ohtake e do Masp.


O sentimento de nostalgia, encantamento e magia que sentimos quando caminhamos pela Estação Julio Prestes em sentido à Sala São Paulo.


Os quiosques da Fom que nos convidam a parar para experimentar o conforto das almofadas e puff’s.


A forma organizada que a Mac disponibiliza os produtos e o jeito democrático, alegre e divertido que a Lego se comunica.


Fazendo um paralelo com o que temos de mais pessoal e primitivo, Nós, seres humanos,

carregamos em nossa identidade uma série de características emocionais, físicas, espirituais, mentais e a forma que externamos isso para o mundo se traduz em humor, personalidade, estilo, preferências. Temos um código pessoal e intransferível, que nos difere uns dos outros, onde cada um tem a sua marca própria, o seu nome, a sua assinatura e o seu comportamento.


A marca que habita em nós se expressa por esses códigos e características, pelas quais

acabamos sendo percebidos pelos outros. Com marcas de produtos e serviços, acontece exatamente a mesma coisa. E todos os exemplos anteriores provam isso. A linguagem do espaço físico onde a marca “reside” é muito mais do que apenas um ponto de venda, é seu habitat  e seu supremo proof point. Nele, a marca se manifesta e se revela em toda sua plenitude.

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