Imagine a cena clássica Londrina. Na verdade, uma cena clássica inglesa! Um grupo de amigos ou família bebendo uma confortante xícara de chá. Mal sabíamos nós que essa cena, particularmente o hábito de beber chá, foi introduzida para os ingleses por uma portuguesa. Se prepare para mais uma história unindo Portugal e Inglaterra!
Se você é fã de café como nós, ficaria surpreso em saber que o chá é uma descoberta ainda mais antiga do que a bebida estimulante. Reza a lenda que um belo dia na China, o imperador Shen-Nung, em meados de 150 a.C., fervia sua água em cima de uma árvore silvestre que balançava suavemente. Algumas folhas acabaram caindo na água e o imperador decidiu prová-la mesmo assim, e se surpreendeu ao sentir-se reconfortado pela bebida. Assim originou-se o chá.
Avançando para o século 17, a Portuguesa Catarina de Bragança acabara de se casar com o rei Charles II da Inglaterra, e se tornou uma figura importante e poderosa na corte britânica. Diante de uma monarquia recém-restaurada, Catarina tinha trazido consigo para se unir a Charles algumas folhas de chá, que já faziam parte da rotina da portuguesa. Sendo Catarina o centro da atenção naquela época, outras pessoas começaram a imitá-la, e com isso, uma nova moda nasceu. Afinal, estamos sempre puxando ideias e costumes de alguém certo? Isso acontece repetidamente na história da humanidade, um pegando a cultura e tradição do outro. Vejam o nosso país, o quanto ele bebeu da fonte dos Portugueses, e de outras etnias que já habitavam lá. Ao decorrer dos anos, isso acaba criando um lindo acervo que podemos presenciar quando visitamos certas partes do mundo.
Naquela época, já dava para perceber o quanto consumidores, mesmo aqueles de uma classe mais alta, se comportavam com relação a algo tão simples como uma xícara de chá. Mesmo com referências distantes de marcas e costumes comparado com nossas de hoje em dia, estas pessoas já tinham um relacionamento forte com a bebida, ao ponto de ser possível realizar um estudo clusterizado desses indivíduos. Se pudéssemos, até uma etnografia a fim de descobrir mais nuances e peculiaridades.
A chegada do chá na Inglaterra também pode ser atrelada à East India Company, uma companhia criada no século 17 que, em seu auge, dominava o comércio global da Europa, do sul da Ásia, e do Leste. O chá chegava na Inglaterra da China através dessa organização, mas o único porém dessa história toda é que a bebida era muito cara, devido a um imposto criado por Charles II. Portanto, o consumo era limitado para os setores mais privilegiados da sociedade britânica, para a aristocracia. Só anos depois que o chá foi se popularizando e virou o costume que conhecemos hoje. É interessante notar aqui as ramificações que um simples costume individual e particular pode ter nas ações de um número grande de consumidores. Se falássemos com a Catarina hoje, acho que ela não acreditaria no que resultou de sua decisão de carregar consigo seu chá. Portugal e Inglaterra têm mais semelhanças do que aparentam à primeira vista! Nas comunidades atuais desses dois países, o chá virou um momento de descanso, e um hábito de consumo que fortalece e enriquece esta união. De novo, poderíamos desenvolver um estudo exploratório, olhando para compradores com uma lente curiosa para desvendar mais profundamente as ligações que são criadas a partir dessa bebida, com quais marcas cada cluster se relaciona mais, e assim vai.
Falando em marcas, a Inglaterra hoje tem muitos mais nomes fortes de chá do que Portugal. Quem diria que isto seria o caso, afinal, o chá foi um “presente” de Portugal pela Catarina de Bragança! Perambulando pelas lojas e supermercados em Londres, algumas dessas marcas aparecem com mais frequência: Twinings, Teapigs, Clipper, Tetley, Yorkshire tea, Thompson’s, e PG tips. Do lado Português, também existem algumas marcas, mas tem uma particular que gostamos chamada Gorreana, que foi fundada em 1883 nos Açores e que afirma que sua plantação é a mais antiga da Europa. Finalmente, existem muitos tipos de chá feito por essas empresas, e alguns deles incluem o Earl Grey, Chá Preto, Camomila, English Breakfast, Chá Verde, etc.
Como é o caso do café no Brasil, tanto na Inglaterra, como em Portugal, essas marcas de chá estão presentes em salas de reunião, consultórios médicos, hotéis, entre outros lugares. Os países adaptaram o tipo de produto para as necessidades específicas de sua população, e fizeram o mesmo trabalho que nosso país tropical fez. Agora, o chá faz parte da rotina dos ingleses e portugueses, e, como o café, é unilateralmente utilizado para facilitar conexões. Quem não gosta de uma boa conversa e uma xícara de chá quentinha!!
Claro que contando tudo o que trouxemos até agora, não podíamos deixar de falar da famosa tradição do chá das 5. 180 anos depois da Portuguesa Catarina ter introduzido o chá na sociedade inglesa, a duquesa de Bedford, Anna Russell, outra mulher influente, foi atribuída por “inventar” a moda do chá das 5. Na década de 1840, a duquesa sentia fome durante o período da tarde, entre o almoço e o jantar, e resolveu então fazer uma espécie de lanchinho para saciá-la. Claro, o chá era a bebida principal, geralmente servida com leite, e acompanhada de comidas típicas inglesas como scones, sanduíches e geleias. Talvez, se não fosse pela Portuguesa, a duquesa não teria essa conexão com o chá, e a pausa das 5 certamente teria uma cara diferente! Aqui, vemos uma clara tendência do ponto de vista do consumidor. O chá das 5 virou algo enraizado na cultura Londrina e inglesa, porém enraizado através de um processo de “importação sutil”. No Brasil, existem hábitos de consumo de produtos que passaram pelo mesmo caminho. O bacalhau, por exemplo, é um peixe trazido originalmente pelos portugueses, sendo difundido efetivamente no nosso país a partir do século XIX. E desta forma, o hábito de consumir este peixe fez com que os comportamentos portugueses e brasileiros se combinassem, gerando uma troca valiosa. O mesmo processo acontece com religião, música, comércio, enfim, qualquer cultura que se abre para o novo, que se dissemina a partir de um produto oriundo de terras estrangeiras.
Tanto na Inglaterra, quanto em Portugal, existe o desejo de consumidores apreciarem um certo tipo de produto. No Brasil, isso não é novidade, afinal, somos um país de iguarias deliciosas, bebidas exóticas, e produtos populares. Mas na Europa, devido a anos de história que precedem a linha de tempo do nosso país, a população teve muitas oportunidades para integrar estes costumes em suas sociedades. E hoje, mesmo diante de uma grande quantidade de marcas, desapegar de nomes como Twinings ou Gorreana é difícil, afinal, além da excelência em seus produtos, essas são marcas que estão enraizadas na vida dos consumidores. Elas souberam definir sua estratégia de marca e vem trabalhando de forma consistente. E no que isso resulta? Além de se tornarem ícones na categoria, é uma oportunidade para essas empresas reafirmarem seus territórios como bastiões da qualidade que eles mesmos disponibilizam para seus consumidores. Neste ecossistema, também há um detalhe: quanto mais consumidores gravitam para certas marcas, maior é a dificuldade de novas marcas entrarem e fazerem sucesso no mercado. Vemos isso de primeira mão quando vamos a lugares que vendem chá. São, na maioria das vezes, as mesmas marcas, queridas e adoradas pelos seus consumidores.
Essa conexão que detalhamos aqui entre os dois países, Portugal e Inglaterra, nos mostra mais uma vez que consumidores e marcas estão profundamente atrelados aos seus lugares de origem. Mas, como aprendemos com o chá, essa bebida tão popular e tradicional, um produto proveniente de um mundo externo, “emprestado” de outra cultura, pode alterar significativamente o comportamento dos consumidores. Que venham mais xícaras de chá para alegrar nossos dias!
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