Recentemente, a Johnson & Johnson, empresa conhecida mundialmente, mudou seu logo, a tradicional escrita cursiva que conhecíamos desde pequenos.
Qual será que foi a motivação da empresa? Quando estava pesquisando sobre o assunto, percebi alguns textos criticando a Johnson’s por essa decisão, mas acho que uma empresa desse calibre e importância não daria um passo como esses em falso. Além do mais, ela é uma das organizações mais reconhecidas e com alta reputação em diversos rankings. A revista Fortune, por exemplo, a nomeou como a primeira empresa mais admirada pelo 9º ano consecutivo no setor farmacêutico. Isso não é algo que pode se passar despercebido.
Quanto mais pensei sobre o assunto, mais dúvidas surgiram, porém, com as fontes de informações corretas, ficou claro o que a empresa queria comunicar. Digo-lhes porquê.
Alexandre Wollner, considerado um dos pais do design moderno no Brasil e responsável pelo desenvolvimento dos logos das maiores empresas nacionais como o Itaú, dizia que as marcas deveriam ser revistas “a cada dois anos.” Wollner era incrivelmente cartesiano com seus projetos. Programava seus esforços da maneira mais rigorosa possível, mas sabia que mesmo que uma marca tivesse que passar por um rebranding, isso não significava que ela precisasse mudar tudo sobre si. Realizar tal ato seria como jogar o bebê fora junto com a água do banho. Será que a J&J cometeu este mesmo ato? Na verdade, o que a empresa fez foi mudar o logo para abarcar o setor de medicina inovadora e medtech, que, aliás, produz soluções incríveis para o mundo da saúde, como bombas sanguíneas e robôs que auxiliam médicos nas salas de cirurgia. Tal movimento, se podemos colocar desta forma, foi feito para solidificar ainda mais a importância da J&J nas nossas vidas. O novo logo reflete isso, com suas letras claras e “limpas", apesar de modificar a letra cursiva que nos acostumamos a ver, fruto da assinatura do co-fundador da empresa James Wood Johnson.
Laura Ries, filha do grande profissional de marketing Al Ries, até comentou em um artigo que a mudança faz com que haja uma facilidade maior de processar o logo. Ela também argumenta que o novo lettering chama mais a atenção do leitor, pela mesma razão.
Vamos concordar em algo: nada diz mais sobre a J&J do que o famoso “cheirinho de bebê.” Eu, particularmente, atrelo essa ideia a minha infância, e a quem cuidou de mim neste período. Na minha sincera opinião, a Johnson & Johnson carrega consigo esse espírito de maternidade–um símbolo de sacrifício, acolhimento e amor. Me lembro do famoso quadro do Michelangelo, “La Pietà", onde Maria segura o corpo de Jesus. É lindo de morrer, mas é exatamente essa conexão materna em que a empresa se fincou. É quase como se ela tivesse realizado o Juramento de Hipócrates para se dedicar assiduamente a seus consumidores e ao ato de cuidar. Esse ethos se mantém independente da alteração do logo. Afinal, como havia dito, o saldo reputacional da empresa é enorme. Caso este logo cause mais críticas do que elogios, tenho certeza de que a J&J manterá toda a sua relevância. Não podemos julgá-la por tentar adentrar em novos territórios visuais. Afinal, quantas memórias felizes temos para contar com essa empresa!
Uma teoria compatível com essa discussão vem de Ferdinand de Saussure, linguista e filósofo suíço, que argumentava sobre a relação entre signos, ou significante, e o significado. Para Saussure, o significante é o elemento tangível do signo, que neste caso seria o logo da J&J. Por exemplo, quando pensamos em um cachorro, o que vem à mente é a imagem deste animal. Portanto, o signo é a representação material e, mais uma vez, tangível desta palavra. O significado, por sua vez, é criado através de experiências repetidas, e representa uma abstração do signo. O significado é a ideia por trás da variável constante, do significante. O cachorro é o signo, enquanto a associação com o mesmo resulta em, por exemplo, pensamentos sobre fidelidade ou amor que o animal carrega consigo. Da mesma forma, o novo logo da J&J, com o devido tempo, poderia ser capaz de despertar um significado na cabeça dos consumidores, influenciando-os a criar novas imagens e associações subjetivas. Se estas serão positivas ou negativas, se alinharem com o que a empresa construiu até agora, só saberemos com o passar dos anos.
Um detalhe – apesar da Johnson & Johnson ter mudado seu logo para dar cara às suas áreas de medicina avançada, ela manteve a Johnson’s Baby como marca e, inclusive, escrita com a letra cursiva no Brasil. Já fora do país, a Johnson’s Baby foi para a Kenvue, empresa dona de nomes como Tylenol e Listerine, mas também continuou com a letra cursiva. Porém, um porta-voz da Kenvue disse que a marca J&J em produtos como Band-Aids será gradualmente removida. Veremos!
Esses foram alguns pensamentos que eu cultivei quando vi o novo logo da Johnson & Johnson. Creio que a empresa é forte e sólida o suficiente para resistir a críticas, muitas vezes precipitadas, sobre sua nova versão gráfica. Por outro lado, o mercado em que estamos hoje pede que organizações e negócios inovem para atender às crescentes demandas de consumidores. Seguindo o mesmo raciocínio, a J&J pode ter sido feliz em atualizar sua cara para o público. Mas, como eu já escrevi em um artigo recente sobre o torneio de Wimbledon, o mundo vive tanto de inovação, quanto de tradição. Inovar, a J&J sempre fez, e seguir tradições, como seu logo com letra cursiva e produtos que remetem a nossa infância, ela continuará fazendo, sem sombra de dúvidas. O que resta saber é o quanto esse logo moderno pode criar abstrações nas nossas cabeças, seguindo os ensinamentos de Saussure. Por enquanto, ainda estamos assimilando a mudança, mas estou consciente de que a J&J raramente toma decisões com olhos vendados.
Reli, gostei duplamente desta explanação do Gabriel. Muito interessante.