Palavras têm o poder de curar, e também o poder de corromper, discriminar, acusar. É algo perigoso para nós escritores, tentar passar nossa mensagem de uma maneira que caminhe nessa corda bamba. Mas se o tempo me ensinou alguma coisa, é que as palavras podem também mudar a forma que pensamos e nos comportamos perto de pessoas que estão encarando alguma dificuldade, alguma deficiência mental ou física. E podemos fazer isso de diferentes formas, mas principalmente com o uso de metáforas que podem, de fato, influenciar nossos pensamentos coletivos.
As metáforas são mais comuns do que você pensa. Nós usamos aproximadamente 6 delas por minuto! Como você pode perceber, nós somos máquinas de expelir metáforas, de uma forma ou outra. Hélène Schumacher fala que nós usamos essa ferramenta semântica para fazer sentido de temas complexos, para nos ajudar a conectar com o outro e moldar nossos padrões de pensamento. Aristóteles, em seu livro Poética, explica o conceito de metáfora usando esse mesmo sentido, “uma percepção intuitiva da similaridade no diferente.” Mas ainda mais importante, metáforas são maneiras simples que podem facilitar a conexão entre nós e as sociedades que nos cercam.
O pensamento metafórico já existe a milhares de anos, se formos analisar cuidadosamente. Um dos exemplos que mais gosto de dar vem da tribo Wayuu, uma comunidade relativamente grande Colombiana, localizada em La Guajira, uma região do país próximo da Venezuela. Devido a séculos de colonialismo e neocolonialismo, os Wayuu tiveram que aprender espanhol, mas diferentemente de outras comunidades indígenas nas Américas, eles ainda conseguiram manter sua própria língua–Wayunaiki. A língua é utilizada para descrever muitas coisas, como uma deveria ser, mas ela é importante especialmente para traduzir conceitos espirituais. Existe uma palavra–’Yolu’ja’–que em Wayunaiki representa um espírito maligno que rouba indivíduos de sua identidade, mas também é uma palavra usada como explicação metafórica para a perda, doença ou catástrofes. Nestes contextos, metáforas são acolhedoras, engenhosas, e poderosas socialmente.
No entanto, ao longo de grande parte da história da humanidade, quando se trata do mundo das doenças e dos enfermos, metáforas foram utilizadas frequentemente para apoiar a natureza punitiva de certas sociedades e a relação destas com indivíduos doentes. Durante a Idade Média, a lepra era considerada um emblema de decadência, a doença mental era vista como alguém que foi “possuído pelo diabo”, o que exigia exorcismo de acordo com a teologia cristã. Olhando para trás, a partir do nosso ponto de vista contemporâneo, dar um significado a uma doença através do uso de metáforas ou figuras de linguagem pode ser um candidato para uma das piores formas de lidar com um problema de saúde pública. A própria doença torna-se alvo de escrutínio, julgamento e humilhação e, pior ainda, o horror associado a tais condições é imposto a outras coisas.
Quando ocorre essa mudança perceptiva, muitas vezes as doenças acabam se tornando reféns do uso de adjetivos, o que significa que são associadas a outras decorrências desfavoráveis. Em francês, por exemplo, uma fachada degradada pode ser chamada de lépreuse. E não só isso, as metáforas utilizadas para descrever pessoas em determinadas condições médicas podem estigmatizá-las e distanciá-las da mudança que realmente desejam ver e ouvir. Quando alguém tem câncer, podemos dizer que essa pessoa está “lutando” contra a doença, ou que está fazendo uma “cruzada”. Câncer é um “monstro”, um “assassino”. Certamente já fiz isso algumas vezes. O interessante é que quando expressamos nossos sentimentos por meio dessas metáforas, que, em nossa opinião, têm como objetivo trazer consolo ao “sofredor”, estamos apenas atribuindo esses pacientes como os únicos culpados pelo desenvolvimento dessas doenças. Ou seja, passa a ser não a nossa responsabilidade de oferecer suporte, mas a deles de melhorar e suportar o período de convalescença por conta própria. E, no final, os doentes não conseguem o seu arbítrio, são tratados como menos capazes, menos tolerantes e resilientes do que realmente são. Como se estivéssemos os tratando como seres recém-nascidos, umbilicais.
Infelizmente, com pacientes com câncer, ou com qualquer outra pessoa sofrendo de uma doença, os mesmos preconceitos surgem a partir do uso de metáforas. “Este é um comportamento canceroso”. “Não permitiremos que este câncer se espalhe para nossa comunidade.” Ou, como diz a música “The Sound of Silence” de Simon & Garfunkel, “tolos, eu disse, vocês não sabem, o silêncio cresce como um câncer”. De que adianta isso? Serve a um propósito singular: dissentir e menosprezar.
Chego a estas conclusões com a grande ajuda do trabalho de Susan Sontag “A doença como metáfora”, escrito em 1978. Sontag ajudou a disseminar uma grande compreensão sobre este tópico, mas agora, temos de ir mais longe – como podemos nós, como indivíduos, membros de comunidades, sociedades, governos, empresas, organizações, moldar o pensamento coletivo através de metáforas para que elas tenham um impacto positivo nas vidas daqueles que foram atingidos por doenças? Como podemos devolver a estas pessoas sua agência, sua força vital, para que elas próprias possam expressar a verdadeira extensão das suas condições? As metáforas podem servir-nos bem na assimilação do novo, mas deveriam fazer mais do que apenas criar um reino de e para os doentes.
Como qualquer outra ferramenta de comunicação, as metáforas podem ser usadas para o bem ou para o mal. Se gerirmos-as mal, poderemos correr o risco de silenciar as vozes dos que não são ouvidos, dos convalescentes, porque, afinal, suas experiências são importantes para nós e para o mundo. Este reino que criamos por nossa própria vontade precisa ser domado. Devemos regar o solo, para que as nossas sementes, enquanto metáforas funcionais, possam ter o poder e a resiliência para crescer e dar frutos. Sem este sacrifício, nem o solo e nem os frutos terão muita importância. As metáforas, portanto, são nossas aliadas, não são? Deixe a língua falar a sua verdade! E assim diz o provérbio: “A língua gentil é a árvore da vida, mas a perversidade nela quebra o espírito”.
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